Johnny Ishibashi chegou no aeroporto de Narita em 1990, levando um grupo de mais de 100 brasileiros nikkeys que foram trabalhar como decasségui. Este era o arubaito para o qual havia sido contratado por uma empreiteira que recrutou o grupo no Brasil. O pagamento era uma passagem de ida para o Japão, com a volta em aberto, que valia por um ano. Após se despedir do grupo no aeroporto, ele foi de Narita para Tóquio, levado por uma japonesa que o hospedaria em sua casa, num esquema de homestay que havia sido acertado desde o Brasil. Na mesma noite a japonesa o levou ao Sací-Pererê, famosa casa noturna de Tóquio, tocada pelo pai da cantora Lisa Ono, que tinha acabado de lançar o seu primeiro disco e fazia sucesso no Japão.
Tudo aconteceu muito rápido”, ele conta.
O pai da Lisa era amigo da minha mãe desde o Brasil, naquela noite ele me contratou como garçom e eu conhecí a Wilma de Oliveira, que cantava no Sací todas as noites.
Na hora que me apresentaram, ela me perguntou se eu dançava lambada, que estava estourando no mundo inteiro, e a filha dela precisava de um par para fazer shows. Resultado, passei o ano trabalhando de garçom nas noites e fazendo shows de lambada em festivais, festas corporativas, eventos, programas de TV, etc. O ano passou voando e eu voltei ao Brasil para não perder a passagem”.
PaideguaOn: E como você virou intérprete de futebol?
Johnny Ishibashi: No Brasil logo me arrependi der ter voltado e resolvi voltar ao Japão. Desta vez comprei a passagem e fui, mas como eu falava inglês e japonês resolvi que não queria mais ser garçon e fui trabalhar numa escola de inglês. Na época eu ia muito ao Clube do Brasil, da Kyoko Tsukamoto, a atriz do filme Gaijin, que praticamente tinha me adotado como mentora no Japão. Foi ela que me ensinou sobre a mentalidade de negócios e relacionamentos do povo japonês, como agir em determinadas situações, etc, me ajudando muito a me adaptar e a ser aceito na sociedade japonesa. E foi lá no Clube do Brasil que eu fiquei sabendo que o time de beisebol Yomiuri Giants estava procurando um intérprete de espanhol para um jogador da República Domenicana. Me candidatei e na entrevista fui aceito na hora. Começou assim a minha carreira de intérprete no Giants, onde eu tinha que falar espanhol, japonês e inglês, sem saber nada de beisebolês.

P: E o futebol?
J: Meu contrato de um ano com o Giants tinha acabado porque o jogador se feriu e não renovou. Então eu fui trabalhar de barman num clube de hostess de Shinjuku, onde tinha muitas brasileiras, até resolver o que fazer da vida. Fiquei um ano e pouco lá e em 1994, surgiu a J. League e virou uma febre no Japão. O Yomiuri Verdy foi o campeão e no segundo ano, me chamaram para ser intérprete no Verdy. Foi por indicação porque eu já tinha trabalhado um ano no time de beisebol do Yomiuri, a transição para o futebol foi destino, eu nunca achei que ia ser intérprete de novo num time profissional de qualquer esporte.


P: Por que?
J: Porque eu era gay! Era não, ainda sou, kkkkk. Nunca tinha jogado beisebol, não entedia nada do jogo e mesmo assim entrei no time, nunca tinha jogado futebol, nunca tinha chutado uma bola, no Brasil só via a Copa do Mundo porque todo mundo tava vendo, nunca tive o menor interesse. Na minha cabeça futebol era coisa pra macho, o que que eu ia fazer num time sem saber nada sobre nada?

P: Mas você foi.
J: Fui fazer a entrevista para não ficar ruim para o cara que tinha me indicado, entende? Uma questão de consideração. Eu estava crente que não iam me pegar. Mas o pessoal do Giants tinha falado tão bem de mim que eu cheguei na entrevista praticamente com o emprego garantido. E acabei aceitando porque o dinheiro era quase o triplo do que eu ganhava trabalhando de barman.
P: O salário era irrecusável, foi só por isso?
J: E eu ainda pedi mais! Porque no beisebol, cada um dos 3 jogadores estrangeiros tinha um intérprete particular, mas no futebol era um só pro time inteiro. Tinha 3 jogadores, um preparador físico, um treinador de goleiros e um roupeiro. Ou seja 6 pessoas e só eu para fazer tudo. Me ofereceram o mesmo salário que eu ganhava no Giants, 400 mil, mas eu disse que queria 600, 100 mil por pessoa, e acertamos em 500. O que hoje no Brasil dá quase 20 mil reais. Eu tinha 28 anos, ninguém ganhava isso com essa idade, não deu para recusar.
P: Foi bom não ter recusado não foi?
J: Com certeza, mas daí passou uns 2 meses e o Verdy contratou o Nelsinho Batista para ir treinar o time. Eu fui lá na diretoria e disse que não era esse o acordo, ia aumentar um brasileiro, tinham que me dar aumento. Fora que a responsabilidade de traduzir para o treinador é bem maior.
Ficou acertado que o meu salário não mudaria mas eu passaria a ganhar bicho e prêmios por título conquistado. Foi uma época muito louca, o Nelsinho chegou, o time ganhava tudo, foi campeão, e além de tudo tinha muitos convites de programas de televisão, entrevistas, eventos, etc. O time treinava duas horas por dia, mas tinha tanta atividade extra que eu nunca tinha tempo para nada, mas como tudo pagava à parte, ninguém reclamava.

P: E como foi a sua transição para fora do futebol?
J: Eu sempre tive muito medo de depender apenas do meu contrato com o Verdy. Já tinha passado pela experiência com o Giants que me ensinou que nada é eterno e quando o Verdy resolvesse me mandar embora eu não ia ter nada. Por isso comecei a diversificar. Fui ser apresentador na IPC TV, comecei a ser chamado para eventos internacionais de beisebol sediados no Japão, fui dar aulas de inglês para as candidatas ao Miss Universo, ensinei palavrões e gírias em português para a Polícia, e entrei na NHK World Rádio Japão como tradutor e locutor de notícias.


Na Copa do Mundo de 2002, eu estava sem time e me pediram para acompanhar a família do Ronaldinho Gaúcho e também fiz todas as traduções simultâneas nos jogos que o Zico comentava na TV. Depois da copa o Zico me indicou para ser intérprete da Seleção Japonesa de Futsal. Foi tudo acontecendo de forma natural, eu tive a felicidade de nunca ter que procurar emprego, sempre foi uma apresentação, uma indicação, o que me forçou a não decepcionar para não queimar a pessoa que me indicou. E aprendi que quando você faz o seu trabalho com dedicação e seriedade, as pessoas te reconhecem e te valorizam.

Um outro fator foi que eu soube não misturar as coisas, eu poderia ficar indo na balada com os jogadores, como eu sei que intérpretes de outros times faziam, mas eu sempre fiquei na minha. Acho que ajudou o fato de eu ser gay né, não tinha o menor interesse em balada de hétero kkkkk. Esse diferencial de ser gay também fez a minha fama, jogador de futebol é muito fofoqueiro, todo mundo na J.League e na Japan Football Association (JFA) sabia. Eu era o único gay do futebol japonês, pelo menos o único fora do armário.

P: Essa fama de ser gay te atrapalhou a carreira no esporte?
J: Nem no esporte nem em outro meio. Eu nunca escondí que era gay, acho que até me ajudou pois ninguém me chamava pra ir pra balada por exemplo, nem pedia para eu passar uma cantada numa japonesa.
Eu acho que ate tive privilégios porque em times sem grana, nas concentrações e viagens, tinha vezes que ficavam 2 pessoas num quarto, mas nunca dividi o quarto com ninguém. Eu deixava bem claro que se dormir do meu lado, eu não me responsabilizaria pelos meus atos kkkkk. Mais do que ser gay, o que me atrapalhou foi a fama de ser o intérprete mais caro da J.League, ou o “melhor” intérprete, um título que eu sempre achei muito discutível. Tinha uns intérpretes muito melhores do que eu, com um japonês melhor, uma postura mais séria, que falavam difícil. Eu sempre fui muito mais informal, nesse sentido eu achava que eles eram melhores do que eu, mas eu falava 4 línguas e também fazia tradução simultânea, e pelo que sei, na época ninguém fazia, nesse sentido talvez eu fosse melhor no sentido de mais conveniente, mas essa fama de ser caro afastou alguns times de mim com certeza, chegou a um ponto que eu só trabalhava se o treinador fizesse questão que o intérprete fosse eu. Como o Nelsinho por exemplo que falou pro Nagoya Grampus que não ia renovar o contrato se eles não me levassem pra lá. E pra largar tudo em Tóquio para ir trabalhar em Nagoya, eu não podia ir por um salário qualquer, tinha que compensar, isso virou uma bola de neve e o meu salário ficou uma coisa absurda, acabou me fechando portas porque não tinha time que conseguisse me pagar. O Leão também quis me levar para o Vissel Kobe, mas não rolou porque eu tinha acabado de entrar no Nagoya.

P: Mas você ainda trabalhou em times depois de Nagoya?
J: Trabalhei no Tokyo Verdy de novo e no FC Gifu, mas das duas vezes foi porque aconteceu a mesma coisa. Ruy Ramos, que jogava no Japão desde quando o futebol ainda era amador, e que praticamente carregou o Verdy e a Seleção Japonesa nas costas, vindo a ser o jogador brasileiro mais amado e respeitado do Japão, tinha encerrado a carreira de jogador e iniciado a de treinador. O Ramos, que sempre me elogiava e valorizava o meu trabalho, disse que o intérprete tinha que ser eu, que ele não ia trabalhar com nenhum outro e o time que se virasse pra arrumar dinheiro para me levar. Quando eu fui também com ele para Gifu, com um contrato absurdo de 3 anos, sabia que estava enterrando a minha carreira nos clubes da liga, eu tava ganhando mais do que os treinadores dos outros times, uma situação ridícula de anormal.
P: Nesse meio tempo você também trabalhava em jogos internacionais. Para quem você traduziu nestes eventos?
J: Nossa, muita gente, eu nem me lembro direito, tinha vezes que eu nem sabia quem era, nunca fui muito fã de futebol. Dos bem famosos eu me lembro do David Beckham, Cristiano Ronaldo, o espanhol Xabi Alonso, o Marcel Dessaily que jogava no Chelsea, o David Luiz, Neymar, Messi, Kaká, o Leonardo quando tava no Paris Saint-Germain, fora os grandes nomes da década de 1980, Zico, Dunga, Toninho Cerezo, Careca, etc.

Um episódio engraçado foi quando o Amaral, que era chamado de lenda, de Rei de Tóquio, veio me cumprimentar no vestiário no dia de um jogo contra o time dele. A garotada do meu time arregalou os olhos! Eles ficaram assustados que o Rei de Tóquio tinha vindo me cumprimentar kkkkkk. Ganhei o respeito da galera.
Mas os dois que eu mais tenho lembranças são o Bismarck e o Alcindo que eram super famosos na J. League e com quem trabalhei por mais tempo.
P: Fora jogos internacionais de futebol, que mais você fez?
J: Fiz muitos eventos do Clássico Mundial de Beisebol, onde fui intérprete das seleções de Cuba, Brasil e Holanda, em mundiais de Voleibol, fiquei com os times do Irã, além do Brasil, fiz o Mundial de Rugby, muitos eventos da K-1 ou do Pride, eventos de boxe que eu nem lembro o nome, sempre estive direta ou indiretamente envolvido, já fui até Las Vegas só para levar um calção de ringue para um lutador francês, umas paradas que ninguém acredita. Também trabalhei com muita produção teatral e de shows, fiz o Fuerza Bruta, vários musicais da Broadway, concertos, etc.

P: E por que resolveu voltar ao Brasil e o que você faz hoje?
J: Depois da pandemia, teve a olimpíada sem publico, aeroportos fechados, eu fiquei quase 4 anos sem trabalhar. As coisas foram voltando ao normal, mas meus contatos tinham se aposentado, ou sido transferidos para outras províncias ou setores, algumas agências tinham fechado, o normal não era mais como antes. Então eu me ví meio que numa situação de acomodação que eu não estava gostando, eu estava viúvo, não tinha mais nada que me prendia ao Japão, percebi que eu estava lá só mesmo por apego e não estava feliz com a minha vida. Então resolvi desapegar e dar uma mudada drástica no meu ambiente e voltei. Eu sabia que muitos dekasseguis tinham voltado e estavam trabalhando como tradutores em empresas japonesas no Brasil, mas por falta de estudo, tanto no Japão como no Brasil, o nível geral estava muito ruim, e os salários estavam caindo por conta desse problema. Então houve a ideia de eu fazer uma mentoria com esses tradutores, para ajudar a elevar a capacidade destes profissionais. Achei interessante e estou trabalhando nisso, bem como estou dando aulas remotas de inglês ou português para japoneses e também de japonês ou inglês para esposas e filhos de alguns jogadores que estão no Japão, onde elas precisam saber um mínimo de japonês para não acabar fritando ovo no detergente. Também estou pegando uns alunos que querem fazer prova de proficiência em japonês e querem um reforço ou garotos que sonham um dia ir jogar no Japão ou na Europa. Eventos grandes como eu fazia lá eu acho difícil rolar, não conheço ninguém aqui, ninguém me conhece, é uma dinâmica diferente, mas sempre gostei muito de dar aula e acompanhar o progresso das pessoas. Ofereço um conteúdo personalizado aos interesses de cada aluno e da mesma forma que eu ficava ensinando palavrão e gírias em português para os policiais japoneses, ensino um inglês e japonês que vai além do que está nos livros. Quem está planejando ir ao Japão para trabalhar ou estudar e está cheio de dúvidas e incertezas sobre a língua, costumes e cultura de lá, na insegurança se vai ou não conseguir se adaptar, pode aprender muito comigo nas minhas aulas e pretendo apoiar esses jovens da melhor forma que eu puder. Eu acho que eu dei muita sorte no Japão, nunca precisei procurar trabalho, as oportunidades foram surgindo e os caminhos foram se abrindo. Jamais imaginei que trabalharia com pessoas famosas no mundo inteiro e que pudesse ganhar a vida sem precisar trabalhar o dia inteiro ou todos os dias, sendo ainda bem pago e viajando o mundo todo. Mas percebi que essa mamata toda não foi só por sorte. Um fator importante foi que quando aparecia uma oportunidade, eu estava preparado. De nada adiantaria a sorte de ser chamado para traduzir para o David Beckham se eu não estivesse preparado com o meu inglês, ou ainda ter tido a sorte de conhecer o cônsul de Cuba. Se eu não estivesse preparado com o meu espanhol, ele não me daria a chance de ser intérprete da Seleção de Cuba no Clássico Mundial de Beisebol. Por isso é fundamental estar sempre preparado e em constante evolução. Estou aperfeiçoando o meu francês e eu quero agora também ajudar no preparo de outras pessoas, pois dominando o mecanismo de 4 idiomas eu tenho a certeza de que posso ensinar bem melhor do que quem só domina uma língua estrangeira.
Quem tiver interesse pode me mandar o número do WhatsApp para o email [email protected] que eu entro em contato.
Da Redação PaideguaON / Fotos: Cedidas